sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

A Receita Da Violência Urbana

Na minha fase de criança, anos 70, e adolescência, anos 80, os conflitos na escola ou no bairro onde morava era comum, assim como é hoje. A diferença é que naquela época trocava se impurrões, alguns tapas, principalmente quando se ofendia alguém da família (Pai, mãe, irmãos), mas logo depois passava a raiva e tudo voltava ao normal.
Acontece que nos dias atuais já não é mais assim, as crianças e adolescentes se agridem e até matam, por causa de um tênis, dinheiro, agressão verbal, pelo poder associado ao tráfico, por ter “cassado conversa”, desculpa muito comum nas escolas quando há uma agressão física entre alunos. Quais são os motivos dessa mudança radical no comportamento destas crianças e adolescentes nas últimas décadas? Como orientador Educacional, procuro estudar e compreender no dia-a-dia na escola, estes comportamentos entre crianças e adolescentes fora do padrão social estabelecido, as causas são as mais diversas, mas acredito que as mudanças mais profundas ocorridas hoje e nesta fase da vida, destes pequenos, aconteceu por motivos sociais. O Estado não ofereceu e não oferece condições mínimas as famílias, em estado de vulnerabilidade econômico-social, uma identidade cidadã. Desemprego, má qualificação, aliada a educação de má qualidade, informação demais na cabeça das crianças/adolescentes, desequilíbrio social, “uns com muito, outros com nada”, corrupção política, impunidade e etc. estes ingredientes acabam gerando a receita da violência urbana.
Um magistrado da esfera Federal, no começo da semana passada, expediu uma decisão proibindo a distribuição e venda dos jogos eletrônicos “counter-strike” e “everquest”, pois os mesmos, segundo o Juiz, são muito violentos e excita a violência. Ora, isto é uma questão muito relativa, depende do convívio social desta criança/adolescente, se ela está inserida numa comunidade, onde há um desajuste social muito grande (família desequilibrada, tráfico, roubo, exploração do trabalho, prostituição, fome, falta do poder do Estado), esta criança com certeza será instigada à violência, mas não por causa do jogo eletrônico, este pode até influenciar, mas muito pouco em relação a sua realidade social, esta sim influenciará predominantemente, na sua escolha, de ser violento ou não.
Conheço vários exemplos de famílias que em casa tem algum tipo de jogo violento, mas que o mesmo não influencia na maneira desta criança ou adolescente de agir na sociedade ou na escola. A criança/adolescente encara o jogo como jogo, acabou o mesmo, acabou a violência, e isto dependente da sua formação moral, os valores ensinados não na escola, mas na base social desta criança/adolescente: a família.
Acredito que a decisão que o magistrado deveria ter tomado e que causaria um impacto maior, seria no sentido de diminuir as desigualdades sociais, exigindo do Estado o cumprimento do seu papel conforme determina a Constituição Federal; que se criassem mais centros de recuperação de menores em conflitos com a lei, mas que estes centros fossem bem equipados, com bons profissionais, bem remunerados, boa infra-estrutura, assistência à família do menor e etc. que se construíssem mais escolas e que estas também tivessem boa estrutura física, bons profissionais concursados e bem remunerados, que os corruptos pagassem pelos seus crimes, não na cadeia porque seria uma despesa a mais para o Estado, mas em trabalhos comunitários, contribuindo na qualificação da comunidade e conhecendo de perto a realidade, de onde o dinheiro que ele desviou deveria ter sido aplicado. Decisões como esta, acredito eu, teria muito mais impacto, do que uma mera proibição de um jogo eletrônico. Afinal a família é livre para escolher se o jogo pode ou não ser usado em sua casa.
Para concluir a reflexão, quero alertar as autoridades tocantinenses que “abram a capa do olho”, senão a receita da violência urbana pode começar a ser fabricada aqui e causar um caos, já que a violência entre jovens no Brasil é uma realidade, que em vários Estados se tornou calamidade pública, e no Tocantins com este modelo atual de política a menores em conflito com a lei, em breve pode também se tornar mais um nas estatísticas nacionais. Aqui o poder público não valoriza o trabalho dos Conselhos Tutelares, como deveria. Estes nobres profissionais trabalham em condições mínimas de atendimento, devido ao tamanho das suas demandas de trabalho e péssima infra-estrutura, seja humana, seja material; o centro de recuperação em Palmas é um faz de conta, sem uma política específica de recuperação. A internação em si não resolve o problema. Afirmo isto com conhecimento de causa, pois já tive alunos que passaram por situações de internação sem a devida necessidade. É público e notório que o trabalho por lá, acontece sem planejamento pedagógico, sem especialistas, sem projeto prático, fato amplamente divulgado pela mídia local. Papel e discurso aceita tudo. Basta relembrar as últimas rebeliões. Os jovens não iriam se rebelar, se tivessem recebendo o tratamento adequado, com profissionais e política adequada. E os demais centros em Araguaína e Gurupi, que não sai do papel? O tempo urge, com o tempo não se brinca, ele pode ser um grande aliado, quando bem usado, mas também um inimigo mortal quando não sabemos usá-lo e a sociedade Tocantinense pode pagar caro por esta omissão do Estado.

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